h2>Dating : Seen It All — Chapter 7
Terminei de lavar a louça do almoço e parei encostada no balcão, observando meus dedos enrugados. A janela da cozinha estava aberta e o frio úmido banhava o final da tarde, anunciando que a noite de sexta chegara.
Peguei o celular e disquei o número de Benjamin. Depois de quatro toques, ele atendeu.
– Ben?
– Hey Lou. Tudo bem?
– Sim, ótima. Eu queria saber a que horas você vai passar aqui…
– Droga, me desculpe, eu dormi a tarde toda. Ontem eu acabei pegando uma tempestade na volta do trabalho, me molhei todo, e hoje não estou me sentindo muito bem. Vai se importar se não formos ao Loft?
– Claro que não! — Suspirei quase que aliviada demais. Me recompus logo em seguida. — Precisa de algo?
– Cara, eu só quero dormir mesmo. Obrigado por se preocupar… Te vejo depois.
– Okay, melhoras Ben.
Desliguei o aparelho reprimindo uns pulinhos. Um peso saíra de minhas costas e o ambiente se tornara muito mais agradável agora. O que mais me aliviava era o fato de não ter que estar presente no mesmo lugar que Benjamin e Alex, já que estava confusa sobre o que sentia.
Decidi pensar outro dia, e preparar uma noite relaxante. Enchi a banheira de água morna, coloquei a sais perfumados e muita loção hidratante. Depois do banho vesti um shorts preto de tecido confortável e justinho, e uma baby look qualquer. Antes de descer, também coloquei meias compridas, já que a noite continuava fria.
Encontrei um documentário na tv a cabo sobre paisagens da savana africana ao norte da Tanzânia, e pensei em preparar uma pipoca, quando Sofi entrou na sala.
– Uau! Tia, a senhora vai sair? — Ela usava um vestido preto tubinho comprido, até as panturrilhas, e havia colocado algumas joias. Sofi era uma mulher elegante e eu adorava cada vez mais coisas nela.
– Sim, e não vejo o motivo da surpresa! — Ela sorriu. — Vou a um jantar da empresa com Miss Eleanor, e depois vamos assistir a uma peça de teatro. Voltamos bem tarde, hoje queremos aproveitar!
– Que maravilha! — Eu bati palminhas. — Ben furou comigo, está doente. Vou ficar em casa.
– Tudo bem para você?
– Claro, não se preocupe. Se cuidem mocinhas! — eu disse animada.
– Sendo assim, tudo bem. Mas se precisar de qualquer coisa, me mande uma mensagem. Até mais querida! –
Nos despedimos, e eu dei continuidade ao meu projeto de madrugada solo. Preparei dois sanduíches de geleia de framboesa com queijo e suco de laranja fresco. Levei tudo para a sala, e me preparava para sentar no sofá, quando a campainha tocou. Tia Sofi provavelmente esquecera algo e voltara para buscar… “Mas por que ela não entrou se tem as chaves?”
Corri até a entrada, escorregando pelo contato da meia com o chão liso, e abri a pesada porta com urgência, e ao invés de Sofia,encontrei um par de pernas que somavam um pouco mais que minha altura, parado sobre o tapetinho bege com os dizeres “Welcome”, na minha casa. Ele estava encostado no batente da porta, e encarava o chão.
– Alex?!
Abaixei a camiseta que deixava um pouco da minha barriga à mostra.
– Luisa. — Finalmente pronunciou, levantando a cabeça lentamente. — Esperava que você se atentasse mais ao seus compromissos.
– Oh, here we go again… Não consigo acreditar que esteja realmente me perseguindo. Do que é que está falando?
– Estou falando sobre o meu show que começa daqui a uma hora, mas conversar aqui fora é extremamente desconfortável. Não vai me convidar para entrar?
Uma rajada de vento frio entrou pela porta e eu me encolhi. Eu não devia, mas também não queria ficar plantada na entrada. Abri espaço para que ele passasse. O som das botas preencheu o ambiente. Fechei a porta. Ele parou, e por alguns só escutava meu coração batendo nos meus ouvidos. Acendi as luzes e pude vê-lo melhor. Obviamente, ele também, e não fez questão de disfarçar nenhum pouco.
Vestia uma camiseta branca com colarinho preto, calça jeans e botas, e a jaqueta de couro usual. O topete ficaria tenebroso em qualquer outra pessoa que não o homem na minha frente.
– Interrompo algo? — ele fez sinal para todo o banquete que eu havia preparado.
– Ah, sim, eu… — Gaguejei para encontrar as palavras no meio da confusão mental estabelecida pela surpresa. — Estava me preparando pra assistir algo na tevê. Benjamin está mal, e não pode sair. Pensei que ele já poderia ter te avisado, já que são tão amigos.
– Ah sim, isso. Benjamin me ligou e disse que não iria ao show pois não estava bem pra dirigir. Perguntei onde ele morava, se gostaria de uma carona… Ele respondeu tudo, como sempre, antes de pensar melhor e desistir. Havia mencionado uma vez que vocês eram vizinhos. Então depois de estacionar e esperar um pouco, vi alguém sair da sua casa.
– Minha tia… Sofia.
– Isso. — Ele concordou. Caminhou até o meio da sala, observando atentamente os detalhes do lugar.
– Moramos só nós duas aqui. Certo, Alex, é uma pena que tenha vindo aqui à toa, porque eu não vou ao seu show.— Conclui.
– Você está doente também?
– Não.
– Então não vejo motivos para não ir. — Ele disse como se tivesse acabado de resolver um dos maiores enigmas da humanidade.
– O motivo é que eu não quero ir.
Ele se virou finalmente e me olhou da mesma maneira como me encarara no porão duas semanas atrás. Caminhou um pouco e parou a alguns centímetros de mim. Os olhos atentos, a boca seca como sempre, tornando visíveis as rachaduras dos lábios finos.
– Sabe me dizer ao menos por quê, Luisa?
– E-eu… — Alex pronunciava meu nome com um toque a mais de polidez que tornava o som único, e era difícil não querer escutar de novo. — Não seja bobo, não há motivos, eu só não quero ir!
– Nesse caso, terei que convencer você. — Para minha surpresa, ele se virou para a sala e sentou-se no sofá.
– O quê?
– Ficarei aqui até que resolva ir comigo. — disse tirando um cigarro e um isqueiro do bolso da jaqueta. — E não se preocupe, tenho todo o tempo do mundo.
– Isso não tem graça. Minha tia vai voltar em algumas horas, e você não pode estar aqui. Muito menos fumando na sala dela!
Ele parou o movimento de levar o cigarro até a boca e apagou a chama recém formada do isqueiro quadrado de metal, e numa súbita mudança de pensamento, os colocou no bolso.
-Tudo bem.Esqueço o cigarro se você tiver alguma bebida.
Bufei e caminhei até sua direção com o intuito de ser mais expressiva, mas quando chegava perto do sofá preparando a enxurrada de ofensas, escorreguei e caí no tapete da sala. Estatelada. Da mesma forma como me sentia internamente desde que abrira a porta dez minutos atrás.
Alex levantou e em poucos segundos eu senti suas mãos me agarrando, e me puxando para cima.
– Você está bem??? — Colocou meu cabelo para longe do meu rosto.
– Yeah, yeah… I think so. São essas malditas meias… — Em um gesto rápido e grotesco arranquei um par. — Vivem escorregando!
– Droga, sua testa. Está sangrando. — Ele disse tenso. E como se tivesse disparado um sinal, comecei a sentir latejar minha têmpora direita.
– O quê??? — Levei a mão instintivamente ao lugar, mas Alex me parou. — Oh meu Deus! Devo ter batido na mesa…
– Shhhh, está tudo bem, não é mais do que um pequeno corte. — Ele abaixou minhas mãos, uma por trás de suas costas, e fez com que me levantasse, segurando minha cintura. Uma leve tontura apareceu e metade do meu peso foi para seus ombros. — Vem cá, você tem kit de primeiros socorros aqui?
– Sim… No armário do banheiro, primeira porta do corredor à direita. — Disse apontando com o resto de noção espacial que me sobrava.
– Certo. — Alex me sentou na mesa de centro da sala, e partiu. Fechei os olhos maldizendo cada segundo daquela noite. Depois de contar vinte segundos comecei a sentir falta de apoio, e então ouvi sua voz agora mais atenta, mas igualmente rouca, preencher o ambiente.
– Não, não durma okay? Abra os olhos.
– Eu não quero.
– Você é mesmo muito teimosa… Não pode dormir agora então, por favor, me ajude nisso. — Ouvi a caixa se abrir e o som de objetos sendo manuseados.
– Eu acho que vou cair se o fizer. — disse, segura de que o vexame não poderia terminar de forma melhor.
Suas mãos tocaram a minha.
– Então se apoie em mim. Anda, preciso que mantenha os olhos abertos, se não vou ter que te levar para o hospital. — Ele colocou minha mão direita sobre seu ombro e esperou.
Lentamente, descolei minhas pálpebras, e então pude enxergar a cena. Alex estava sentado no sofá de frente para mim, e sua mão segurava um pedaço de algodão molhado com o que devia ser água oxigenada.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa ele afastou meu cabelo e começou a limpar meu ferimento. Aguentei a ardência, que não era assim tão forte. A tontura havia passado quase que por completo, e eu estava certa de que havia me comportado como uma criança. Ele trocou o algodão e limpou mais algumas vezes, dessa vez com menos urgência. Então sem pensar muito, parei de encarar a parede ao fundo e ousei encontrar seu olhar.
Alex me fitava e como se estivesse esperando por isso, e foi diminuindo os movimentos com o algodão levemente, sem desviar dos meus olhos. Eu piscava devagarinho, ainda meio inebriada pela queda e pela sensação de seu hálito batendo em meu rosto.
– Eu gosto delas. — Ele disse, cortando o silêncio e a tensão. Não sei por quanto tempo nos encaramos.
– De quem? — Perguntei confusa.
Ele riu, um sorriso magnífico de lado que fora o mais sincero que já vira partindo de sua face desde que o conheci.
Voltou-se para a caixa e destacou um pequeno adesivo de esparadrapo. Com cuidado e dedos ágeis, colou na minha testa. Voltou minha franja no lugar, ainda em silêncio, e então se levantou e buscou minha meia perdida no chão que ainda tinha o tapete fora do lugar.
Sentou-se no sofá de novo, e fez sinal para que eu apoiasse a minha perna, devagar, sobre sua coxa. Então com delicadeza, colocou minha meia no meu pé, e a vestiu lentamente em minha perna, tomando o cuidado de não me tocar muito, mas acompanhando o avanço do tecido sobre a minha pele. Mordeu seu lábio, sem olhar pra mim. Quando a meia cobriu meu joelho, ele botou minha perna no chão, e finalmente respondeu.
– Your knee socks. I like your knee socks… — Ele concluiu.
Meu rosto não escondeu a surpresa. Consegui devolver um pequeno sorriso, que logo se desfez.
– Você por acaso tem cerveja aqui? — Alex como sempre manobrou, e me tirou do torpor.
– Não. — Me recompus e levantei lentamente. Ele me assistiu de perto, preparado para uma suposta nova tontura que felizmente, não veio. — Mas tenho chá. Quer dizer, eu acho que seria bom, tem de camomila, e alguns biscoitos…
– Não tenho muito tempo. Meu show, lembra? O problema é que não posso te deixar sozinha, você não pode dormir agora, bateu a cabeça.
Encarei seus pés tentando entender onde ele queria chegar com o raciocínio.
– Tudo bem Alex, eu fico grata por ter me ajudado hoje, apesar de você ser o culpado de tudo isso. Não se preocupe, eu prometo que não vou dormir nas próximas seis horas.
Ele me olhou como se não tivesse escutado nenhuma das minhas palavras. Tirou o celular do bolso e discou alguns números.
“O’Malley?”
“Sim, estou bem. Longa história… Como é que está por aí?”
“Ah, muito cheio…”
“Eu não sei, estava pensando em não ir mais. Aconteceu um imprevisto.”
– Alex? Alex o que está fazendo?! — Não consegui segurar e interferi na conversa.
Ele levantou a mão calmamente para mim, pedindo para eu esperar.
“Não, está tudo bem comigo. É a garota. Explico depois.”
“Você faria esse favor? Isso, peça para transferirem para amanhã. Te vejo no hotel, bro.”
Desligou o aparelho e olhou para mim.
– Talvez eu tenha tempo para o chá agora. — Disse respirando fundo.
– Ah meu Deus… Qual parte do “você não pode ficar aqui” você não entendeu? — disse expressivamente, e percebi que estava andando ansiosa em sua direção como há alguns minutos atrás.
– Entendi toda a parte Luisa, e é por isso eu vou esperar você se arrumar para sair comigo.
– Alex — supliquei — será que vou ter que levar outro tombo para deixar claro que não vou a essa festa?
– Não vai haver show. Vamos ficar em um estúdio que eu conheço. — Ele disse recolhendo as chaves do bolso da jaqueta e sentando no sofá novamente. — No more tea?
O encarei incrédula.
– E o que te faz pensar que eu vou aceitar isso?
– Entenda, ou eu fico com você ou me torno responsável por algum tipo de problema. — Ele disse calmamente. — Prefiro ficar com você, e já que não pode ser aqui, vai ser em outro lugar.
Ponderei sobre o que minha tia acharia de um homem estranho na minha casa, e mais ainda se realmente conseguiria ficar acordada a noite toda. Tantas explicações que eu não queria, nem sabia dar.
Encarei minhas meias.
– Você me deixa tão cansada… — Esfreguei os olhos com as mãos e me movi até a escada. — Espere aqui, eu não demoro.
***
Dear Sofi,
Julie me ligou e me chamou para assistir filmes em sua casa. Enfim, não terei uma noite tão solitária. Volto de manhã, pode me esperar para o café. Será que não existe alguma versão de pão de queijo por aí?
Love, Lou.
Deixei o bilhete sobre a mesinha da minha cabeceira, e a luz do quarto acesa para que chamasse sua atenção. Sofi sempre vinha me vigiar antes de dormir, para saber se tudo estava bem. Meu pai certamente a havia alertado sobre os pesadelos… Mas eles tinham praticamente desaparecido nos últimos meses. Depois de estar certa de que ela encontraria o recado, me sentei na cama.
Troquei as meias por uma calça e um tênis branco. Fui até a pia do banheiro, e escovei os dentes. Queria mesmo era tomar outro banho, mas a presença de Alex se fazia sentir por cada canto daquela casa, mesmo sabendo do fato de que ele estava sentado na minha sala.
Olhei para o relógio.
Dezessete minutos depois.
Sentar por alguns minutos me fez ficar sonolenta, e eu imagino que em uma hora já teria dormido, com toda certeza. Finalmente desci e encontrei-o observando as fotos da prateleira de fotografias. Haviam fotos minhas do tempo em que era uma criança cabeluda aos sete anos, do casamento dos meus pais, e das viagens de Sofia.
– Estou pronta. Vamos? — Perguntei baixo. Ainda estava irritada pelo final que a situação levou. E, de certa forma observá-lo em sua introspecção era algo que me interessava.
– Pensei que não estivesse tão ansiosa por estar comigo. — Ele se virou.
– Estou tão ansiosa que acabei me estatelando no chão tentando te mandar embora. — Terminei a frase séria, mas acabei deixando um sorriso escapar me lembrando do qual patética a cena deveria ter sido.
Alex sorriu também.
Então ele caminhou até a porta e a abriu, deixando o ar frio encher a sala, e fazendo eu cobrir meu peito, cruzando os braços. Peguei meu casaco marrom do mancebo próximo a porta, e sai logo atrás. Caminhamos em silêncio até seu carro, e logo lembranças do interior do Ford Opala preto resolveram aparecer no fundo dos meus pensamentos. Voltei a escutar meu coração nos meus ouvidos.
Entramos no veículo, e o calor era instantâneo. Muito mais confortável do que o vento, que chiava lá fora.
– Está doendo? — Ele perguntou.
– Não. — Levei a mão ao machucado, sentindo um pequeno calombinho se formar. — Mas estou sonolenta. Quer dizer, já são passa das dez…
Ele bufou um sorriso, e ligou o carro. O som soltou uma melodia calma e ritmada. Blues.
– Vamos ter que encontrar uma maneira de te manter acordada, Luisa.