Dating : épicos olhos de quê?

épicos olhos de quê?

durante algum tempo, rolou na cama, insone, nem olhou o celular, aquela claridade seria ruim para o tanto que queria voltar a dormir. o sonho incompleto da noite anterior não lhe saía da cabeça e voltou agora, de madrugada, para tirá-lo dos braços de Morfeu.

sem acender nenhuma luz, foi tateando o escuro ao qual seus olhos já estavam acostumados, chegou ao banheiro e lembrou do medo que sentia de aparecer alguma cobra na privada – a chance disso acontecer, apostava consigo mesmo, era quase igual a zero, morava no vigésimo andar, mas elaborou essa fantasia porque alguém postou na internet um caso numa fazenda distante da cidade. sequer era uma lenda urbana. luz acesa, retina desperta nos microssegundos iniciais, xixi longo da madrugada e a narrativa pela metade que esperava a leitura.

é isso, então, vou ler.

ler, o remédio dos insones.

o dia já engatinhava quando ele, impactado, fechou a página 262. a história das duas irmãs que viviam numa simbiose sofrida num país brutal o perturbou a ponto de chorar algumas vezes. de raiva em todas elas, aquilo não era só ficção. voltou ao quarto onde o namorado dormia como se não houvesse amanhã.

talvez não haja.

escreveu um “não me acorde por nada nesse mundo” dramático num pedaço de papel, pegou um tapa olhos que ganhou num voo internacional dois anos atrás e, na posição de sempre, deitou para dormir, resoluto como um morto de mãos sobre o peito. o sonho da noite passada, em que ele morria, acontecia aos poucos, mas se acelerava com o país que mata sorrindo.

bocejou e a vazante de si drenou lentamente aquele sono.