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Dating : Manias

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Adriano Godoy
Roma, 2019. Fotografia de Adriano Godoy

Eu tenho manias que surgem do nada e custam desaparecer. Por mania digo mais obsessão mesmo, costumo ser monotemático, mas com uma variedade de temas que são monopolizados por um período de tempo. Atualmente meu monotema, minha obsessão, é a fotografia de rua. Tenho ficado horas andando, sem rumo, pelos centros das cidades que passo e fotografando gente completamente desconhecida que vive sua vida: senhorinhas fazendo palavra cruzada, crianças tomando sorvete, homens de meia idade fumando seu cigarro. No dia seguinte, em que não saio de casa, passo horas vendo fotografias de verdade, de gente que sabe o que está fazendo, e me dou conta de quão amador eu sou. Questiono porquê raios estou perdendo tempo com isso, de como são toscas as minhas imagens, e daí dias depois lá estou eu de novo tirando foto de um casal de idosos comendo pizza na praça.

Aliás, minhas manias são acumulativas. Depois que um tema toma o lugar de outro, o primeiro não desaparece, é só a sua evidência que fica em segundo plano, mas ele continua ali, assim como todos os anteriores, todos em mim, firme, fortes e camuflados. Minha obsessão anterior eram fotografias de imagens de santo, e era só isso que buscava. Não parei. A obsessão agora com a fotografia de pessoas pelas ruas é intercalada com as imagens de santo que encontro no percurso. Elas deixaram de ser protagonistas só que estão ali, marcando presença acumulativa. Melhor ainda quando elas se interpõem: uma pessoa qualquer pelo caminho apoiada numa imagem de santo.

Eu não sei dizer porque faço isso, e qual o objetivo de acumular tantos gigabytes de fotografias sem sentido, mas é mais forte que eu. Acho que o que me fascina na fotografia de rua é o que me fascina na vida em geral: o comum, o habitual, o usual. E, veja bem, não usei a palavra normal. Eu simpatizo com tudo aquilo que se repete com frequência justamente por hábito, porque as pessoas fazem todo dia sem pensar nos motivos, e não porque foi criada uma norma ou uma ordem que deve ser respeitada. Há um abismo entre o habitual e o normal, entre o comum e o ordinário. Eu gosto daquilo que é feito sem motivo aparente, por repetição, mas tenho pavor de quando a repetição vira regra. Se há ordem, sou contra: não é porque a maioria faz que a minoria tem que se curvar a ela.

Ainda na graduação, o que me fascinou mais na antropologia que na sociologia foi justamente essa diferença. Enquanto os professores sociólogos estavam lá tentando explicar “a norma do trabalho no Brasil”, falar sobre “a organização da América Latina”, os professores de antropologia se contentavam em descrever e analisar os hábitos de uma comunidade de cinquenta pessoas no Mato Grosso: como cozinham, como se relacionam, como pensam o mundo. Sem grandes pretensões, sem megalomania, mostravam como o habitual e o pequeno são suficientemente complexos, e sem muito sentido declarado.

É isso, também, que me fascina mais nas crônicas de jornal do que nos grandes épicos: o Rubem Braga contando que viu um passarinho na rua, a Clarice Lispector contando que ganhou um chiclete, a Rachel de Queiroz fazendo quarenta anos, o Antonio Prata comprando um tênis com amortecedor, a Vanessa Barbara andando de ônibus. Tudo isso vale muito mais que mil páginas narrando a saga de reis lutando por um trono com zumbis ou a vida de uma criança-bruxo-prodígio. O extraordinário me cansa, os grandes feitos me dão preguiça.

É daí que vem também meu ranço com filmes de herói, palestras motivacionais, comédias românticas e correntes de bom dia no whatsapp. Tudo farinha do mesmo saco, tudo manifestação da mesma busca de uma pessoa incrível e extraordinária, seja o herói, o parzinho ou você mesmo no dia que inicia. Olhando para tudo isso, fico sempre com o Fernando Pessoa: “onde é que há gente no mundo?”.

Minha obsessão continua, não sei por quanto tempo, mas mais por hábito do que por norma. A fotografia de rua acho que consegue, com algum louvor, mostrar “gente no mundo”, porque uma criança carregando baguetes e um senhorzinho dormindo na grama, de um Cartier-Bresson e uma Vivian Maier, mexem muito mais comigo do que uma modelo posando pro J. R. Duran. Não consigo valorizar fotografia de estúdio, seja qual for, porque gente arrumadinha fazendo pose no ar condicionado não me interessa. Pelo menos até a próxima mania.

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